quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Chovia no seu dia de merda.

Chovia impiedosamente. Ele sentado no sofá, bem agasalhado, tomava um café. Na TV, as últimas notícias eram anunciadas pelo rapaz bem apessoado e de terno. Levantou-se e tirou a roupa. Nu, foi correr na rua. Passou pela banca, correndo, comprou um jornal, foi ao cinema, ainda nu, passou na faculdade gritando, ainda correndo e por fim parou no Mcdonald, encharcado sentou-se, pediu um pudim, ainda nu, e comeu olhando a bela moça que esfregava o chão.
Leonardo Guimarães

Noite

Eis a hora derradeira, quando se instala o silêncio, quando me deito e penso...
Pensar não é o problema, mas eis justamente aí o problema...
Leonardo Guimarães

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Isso não é um título.

Isso não é um poema.

domingo, 21 de outubro de 2007

Amar é para os fracos...

As idéias, vastas, lhe saltavam como pulgas
Pipocavam na cabeça – doces e salgadas
Tanto, mas tanto pensava, que a cabeça lhe doía
Quando alegre, entristecia
Por triste estar, se sorria
Falava o que não devia
Sonhava o que não queria
Sentia o que não sentia
As paixões que não podia – quem disse que não?
Como nunca as vivia – fundamentadas ou em vão...
Eternamente apaixonado
Pelo que ou por quem não sabia
Até que um dia descobriu
Que não bastava só sentir
Que não bastava só sonhar
Que nexo não tinha sorrir
Muito menos sorrir por amar
E há quem diga que o melhor
No ato de se amar
Em vez de alegre ficar
Seria de tudo e muito chorar
Para que comemorar
O que – claro – te fará sofrer?
Não há como se entregar
E depois não se foder...
Zomba de mim porque gosto
Chama-me de doido varrido
De infante amoroso sofrido
De coração corrompido
De burro, imbecil ou bandido
Mas não te esqueças, amigo
De bem alto me humilhar
Para que todas que muito amei
Não se deixem de escutar.

Leonardo Guimarães

sábado, 20 de outubro de 2007

O momento

E então, o homem que mais havia falado na sua vida, que mais havia brincado, que mais havia rido, o homem que mais havia chorado, discutido, naquele momento, sério, não sabia o que dizer.

Leonardo Guimarães

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Desde sempre amou demais....

http://br.youtube.com/watch?v=VaoOK1MyGNE

Amou a tia, professorinha de primário
Amou a colega – a da carteira ao lado
Amou o amiguinho, o que brincava de carrinho
E porque não o vendedor de algodão doce?
Amou o pássaro cantando na árvore
A orquestra na praia de Copacana
Amou o jardim, o banco, o passeio
Até o café, ainda que com torrada de pão de centeio
Amou a jovem, branca de cabelos curtos
E as outras duas sentadas no muro
Amou principalmente a morena, de cabelos enrolados – e idéias tão quanto
Lábios carnudos, olhar meigo e terno
Ainda que só tenha durado um inverno – o melhor deles...
Amou a loirinha, baixinha, gordinha, ainda que antes
E a mais formosa e mais bela delas
Dos olhos mais belos, mais verdes, mais sedutores...
Dos cabelos lisos, tanto grandes ou curtos – ainda mais belos
E assim foi preso
Nos enlaces de seu sentimento...



...amou demais.

“Eu sei que vou sofrer, a eterna desventura de viver, na espera de viver ao lado teu, por toda minha vida...”

Leonardo Guimarães

quarta-feira, 17 de outubro de 2007



BEIJA-ME DE REPENTE,
ama-me com urgência
sofreguidão e ternura
com selvageria e doçura
ingenuidade e ciência
Beija-me porque é preciso
e também, por indecisão
Ama com a argúcia máxima
da aleatoriedade e da imprecisão
Beija... falaz tirocínio
com o lume de quem não tem siso,
mas meu mundo na palma da mão
Ama pois é o destino
e porque nunca é decisivo
beija urgente e inciso
bem fundo e preciso
o meu
coração



Érico Braga Barbosa Lima[ver mais em "Estilhaçoes de Babel" Editora Antigo Leblon, 2006.]


Tudo pela metade

É CLARO QUE FOI TUDO PELA METADE,
eu fui meio forte, fui quase covarde,
daquela vez em que quase fugi.
Por outro lado, também por ali
vi parte de um vulto, foi pela metade,
uma sombra, um fantasma, que eu juro que vi,
Mas, pensando bem, acho que essa saudade
me faz ver um passado que não sei se vivi.
E, falando em saudade, não sei se a cidade,
no meio do dia, em meio aos civis,
que andam soldados aos bancos, nas grades,
alheios às praças, tão presos em si;
como eles, não vejo, de minha sombra, a metade,
nem a parte que chora, nem a parte que ri.
Foi tudo, eu sei, quase pela metade,
aquele amor verdadeiro... que eu quase morri...
o amor derradeiro... acabou, já era tarde,
e, vejam, no fim, sei que quase sofri.
Enfim veio a canção, uma saudade,
Uma inspiração ou talvez piedade
pela indecisão — pelo que deixei de sentir.
Por uma vida de graça,
que, pelo preço da praça,
por metade...
...eu vendi

Érico Braga Barbosa Lima
[ver mais em "Estilhaçoes de Babel" Editora Antigo Leblon, 2006.]

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Poema

Por entre as palavras descascadas de teus lábios
Com o sangue limpo pelos lençóis encardidos
Ainda me pulsa a vida – amarga – pelos átrios
Onde o caos se instala, por entre amores bandidos

Desfigurado pelo teu suor ardente em meu corpo
Nunca antes provado, mas no ato, embriagante
Tomado de desejo, a ponto de ficar torto
Com carícias suaves – uma aventura errante

E quando a mim falastes: para sempre, meu amor
Eu fiquei impregnado com mentiras desleais
Não passou de teu momento de mais ríspido furor
Mesmo assim eu não cansava de ouvir e pedir mais...

Leonardo Guimarães

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Fernando Pessoa

Cartas de Amor

Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras, ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser ridículas.
Mas, afinal, só as criaturas que nunca
escreveram cartas de amor é que são ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso cartas de amor ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor é que são ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos,
são naturalmente ridículas.)
(Álvaro de Campos)

Enfim, um indivíduo de idéias abertas.

A coceira no ouvido atormentava. Pegou o molho de chaves, enfiou a mais fininha na cavidade. Coçou de leve o pavilhão, depois afundou no orifício encerado. E rodou, virou a pontinha da chave em beatiude, à procura daquele ponto exato em que cessaria a coceira.
Até que, traque, ouviu o leve estalo e, a chave enfim no seu encaixe, percebeu que a cabeça lentamente se abria.

Um bom feliz desaniversário!



- As estatísticas provam que só há um aniversário.
- Minino! Um somente em cada ano!

- Ah! Mas há 364 desaniversários.
- Por isso nós vamos tomar muito chá!
- Então hoje é meu desaniversário?!
- Oh é!
- Oh é!
- Oh, que coincidência...
- Bem nesse caso...





- Um bom desaniversário...


- Pra mim?


- Sim!


- Um bom desaniversário...


- Pra mim?


- Sim sim!


- Agora assopre a vela mas não queimes o nariz! Um bom desaniversário feliz!

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Ah quem me dera ver-te...

Bom seria sentar-me naquele banquinho sabe... Aquele mesmo... De cimento, naquela praça bucólica, ouvir o cantar dos passarinhos, o barulho do vento por entre as folhas das árvores, mini-redemoinhos no chão e pensar... Pensar no que me tornei. Quantas juras troquei sem necessidade alguma, e quais delas foram verdadeiras!? Quem souber que me diga porque eu não me lembro. Quantas noites, quantos dias... Perdidos em pensamentos sentimentais infundáveis e inexoráveis! Ah! Se esse mundo fosse meu... Ah se fosse só meu! Quanta coisa! Quanta coisa eu não diria as flores... Quanta coisa eu não diria... Quantas vezes eu viveria amores? Quantas vezes eu nada viveria... Quem de terras tão distantes viria importunar-me a ponto de eu me apaixonar? Quem do meu mais intrínseco e inconsciente pensamento não viria para me deixar tão triste de forma que eu não mais quisesse pensá-la?
Quem para me decepcionar tão bruscamente para que eu sofra!? Quantas músicas seriam tocadas, dedilhadas e cantadas para me emocionar, ainda que gelado, morto ou acordado, posto. Ah se o mundo fosse meu... Eu teria de ser arrancado de meu trono de poeta, dilacerado por tudo sofrido, envergonhado por tudo vivido. Eu teria de ser arrancado...
Quantos olhares de criança eu haveria de perder enquanto ocupava minha vista com teus lábios sedutores, desejando teu corpo, como um prisioneiro que deseja tatear a liberdade, melhor comparação não há! Quantos “paracatizuns” eu perderia ao ouvir teu falar manso e sedutor... Por quantas coisas me tornaria responsável, ao cativar, sempre com minha imutável e inexplicável mania de ser simpático a todos, de amar a todos – que ódio.
Por fim, no fim o que me restaria, como agora, seria a eterna vontade de viver em um mundo novo e um “ah quem me dera que esse mundo fosse meu...!” Um “ah quem me dera...”.
Leonardo Guimarães

Amor - Seria a de finição correta?

amor s. m.

amor

do Lat. amore

s. m.,
viva afeição que nos impele para o objecto dos nossos desejos;
inclinação da alma e do coração;
objecto da nossa afeição;
paixão;
afecto;
inclinação exclusiva;

ant.,

graça, mercê.
com -: com muito gosto, com zelo;
fazer -: ter relações sexuais;

loc. prep.,

por - de: por causa de;
por - de Deus: por caridade;
ter - à pele: ser prudente, não arriscar a vida;
- captativo:vd. amor possessivo;
- conjugal: amor pelo qual as pessoas se unem pelas leis do matrimónio;
- oblativo: amor dedicado a outrem;
- platónico: intensa afeição que não inclui sentimentos carnais;
- possessivo: amor que leva a subjugar e monopolizar a pessoa que se ama;

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Quem vai saber o que você pensou? Quem vai saber o que você sentiu? Quem vai dizer agora o que eu não fiz? Vou explicar pra você que eu quis...

Era mais uma noite como outra qualquer, na verdade um pouco diferente, o que não a desmerece nem mesmo enobrece. As pessoas chegaram sem que eu nem percebesse, não sei por conta do álcool ou a pouca atenção que eu as destinava. Quando olhei para a fila, já estava enorme. O vi. Meu nome era pronunciado ao vento, de forma tão bela que não me vieram palavras justas para comentar. Olá! Prazer! A noite percorreu em seu vazio repleto de pessoas que eu não sei o que buscavam. Cinema não era!
- Você o viu?
Fiquei inebriado pelo soar de sua voz, pelo gesto suave de seu olhar, pelo sorriso enigmático que chegava a ser perturbador, pelo ser...
- Ah, sim, mas já sumiu novamente...
- Como pode! [Haveria sorriso mais belo que o que nasceu aqui?]
A noite foi se desenrolando, ainda me embriaguei em seus olhos umas duas vezes mais, de forma que nem devo ter sido notado, o que eu gostaria mesmo que ocorresse.
Amanheceu, peguei minhas coisas, fui embora antes que as pessoas nascessem por entre as portas escuras, pela terceira vez.
Leonardo Guimarães